A Arbitragem é uma realidade enquanto um dos métodos disponíveis para a solução de conflitos, a despeito de momentos de tensão com o Poder Judiciário, e continua se transformando e atraindo novos debates, como a sua relação com os precedentes judiciais, imparcialidade dos árbitros, ações anulatórias e, atualmente, sobre como lidar com as ações de produção antecipada de provas não urgentes.
Atualmente, questiona-se: as inovações trazidas pelo art. 381, incisos II e III, que tratam, respectivamente, (i) do ajuizamento da ação de produção antecipada de prova como meio apto a promover acordo entre as partes; (ii) como meio de obter prévio conhecimento dos fatos que podem justificar ou evitar o ajuizamento de uma ação; são aplicáveis aos casos que possuem cláusula arbitral como método de solução de conflitos?
Para tanto, passamos pela análise do Recurso Especial nº 2.023.615/SP, julgado em 14.03.2023 pela Terceira Turma do STJ, em que acionistas minoritários de uma companhia ingressaram com uma ação de produção antecipada de provas visando à coleta de informações para tentativa de conciliação ou para instruir eventual procedimento arbitral. Segundo os acionistas minoritários, os administradores e os diretores teriam promovido desvios de recursos em prejuízo da companhia e de seus acionistas e, por ter havido recusa na apresentação de documentos, fez-se necessário o ajuizamento da ação de produção antecipada de provas, ainda que sem a presença do elemento da urgência.
Em primeiro grau, o processo foi extinto sob a justificativa de que, diante da cláusula arbitral, o requisito da urgência não poderia ser dispensado. A questão foi então submetida à 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, que entendeu que “seria o caso de proclamar-se – em decorrência do direito de acesso à justiça (…) o direito de o acionista pleitear em juízo, mesmo havendo cláusula compromissória”. Trata-se de conclusão com potencial para desequilibrar a independência entre Arbitragem e Judiciário. Isso porque o “acesso à justiça” não se concretiza de forma exclusiva pelo Poder Judiciário e a instauração de um procedimento arbitral não pode ser entendida como incompatível com a garantia de acesso à justiça. A mesma situação é vista na alegação de que a produção antecipada de provas perante o Poder Judiciário seria possível para o fim de “evitar maiores gastos” aos acionistas, argumento este que acaba por desconsiderar que o custo financeiro faz parte da regra do jogo da arbitragem, que possui diversos outros pontos positivos e negativos em relação à atuação estatal.
O TJSP também invocou que o Poder Judiciário não realizaria nenhuma atividade valorativa e, por isso, não usurparia a jurisdição do Tribunal Arbitral. Contudo, trata-se de uma falsa presunção que não pode ser aplicada de forma generalizada. Não há como negar que a manifestação pelo Poder Judiciário sobre a existência do direito à produção de prova representa uma atividade jurisdicional e, por isso, deveria ser endereçada ao Tribunal Arbitral, que possui um direito-dever de participar, acompanhar, questionar peritos, assistentes, partes e testemunhas, sobre os fatos que se relacionam aos pedidos que deverão ser, ao final, julgados por aqueles árbitros. Portanto, arguir princípios processuais de forma indistinta pode desencadear a tentativa de aplicação de tantas outras regras previstas no CPC/15 de forma indesejada à arbitragem, podendo ocasionar um perigoso desequilíbrio sistêmico.
Quando instado a se manifestar sobre a situação, o STJ confirmou que a arbitragem atende ao direito fundamental da inafastabilidade da jurisdição e que a situação de urgência é “a única exceção legal à competência dos árbitros”. A cooperação entre Poder Judiciário e Arbitragem deve ser harmônica, mas sempre respeitando a independência entre os subsistemas de justiça. Assim, o posicionamento adotado pelo STJ vem em bom momento, pois reforça o instituto da arbitragem e afasta o entendimento de que a arbitragem estaria, de alguma forma, subordinada ao Poder Judiciário, ou que, no silêncio da Lei de Arbitragem, as regras processuais seriam aplicadas.
Espera-se que a decisão do STJ norteie futuros julgamentos e inspire as partes e câmaras arbitrais a adaptarem-se a esta realidade. E tal adaptação, de um lado, pode se dar por meio da elaboração cláusulas arbitrais ainda mais completas, prevendo que as demandas que visem à produção antecipada de provas sejam submetidas ao juízo estatal, mesmo sem a presença do requisito da urgência. Por outro lado, é desejável que as câmaras arbitrais se posicionem e criem regras próprias para a condução de produção antecipadas de provas antes da instauração do procedimento arbitral, como, por exemplo, por meio da criação da figura de árbitros eleitos unicamente para conduzir a produção da prova, tornando o procedimento mais eficiente e interessante aos usuários deste importante sistema de resolução de conflitos.
* Published by CNN Brasil in 08/05/2023: https://www.cnnbrasil.com.br/forum-opiniao/a-arbitragem-e-o-futuro-da-producao-antecipada-de-provas/