Autores: Adriane Maria Gonçalves e Beatriz Campos Alves


Título: A unicidade da fase recursal na nova Lei de Licitações e a duplicidade do registro de intenção de recurso trazida na Instrução Normativa SEGES/ME nº 73/2022


A unicidade da fase recursal já era adotada nas licitações promovidas na modalidade de pregão, em decorrência da previsão na Lei nº 10.520/2002, a qual estabelece que, uma vez declarado o vencedor do certame, qualquer licitante poderá manifestar imediata e motivadamente a intenção de recorrer, sendo-lhe concedido o prazo de 3 (três) dias para apresentação das razões recursais, facultado aos demais licitantes contrarrazoar no mesmo prazo.

Tal sistemática está em linha com os princípios de celeridade e economia processual, inerentes à modalidade pregão, sendo certo que a fase recursal única evita a possibilidade de recursos repetidos recorrentemente, o que poderia alongar o processo e, justamente, prejudicar a agilidade que o pregão busca proporcionar.

Com a afirmativa de que a fase recursal no pregão é única, quer-se dizer que todas as insurgências dos licitantes devem ser apresentadas em um único momento, qual seja, após a declaração do vencedor da licitação pelo pregoeiro.

A unicidade da fase recursal também já se encontrava prevista na Lei nº 12.462/2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC). Ele, em seu artigo 27, estabelece que “salvo nos casos de inversão de fases, o procedimento licitatório terá uma fase recursal única, que se seguirá à habilitação do vencedor.”

Com o advento da Lei nº 14.133/2021, observa-se que a Nova Lei Geral, diferentemente da Lei nº 8.666/93, prevê uma fase recursal única (incisos I e II do §1º do artigo 165, da Lei nº 14.111/2021), passando-se, assim, a adotar a mesma sistemática já instituída pela Lei do Pregão e similar ao modelo previsto na Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas, tendo em vista que, nas licitações regidas pela Lei nº 14.133/2021, mesmo quando adotada a inversão das fases da habilitação e propostas, a estrutura da fase recursal será única.

Uma novidade trazida com a NLLC diz respeito à (des)necessidade de motivação na intenção de recurso, porquanto ao contrário do disposto no artigo 4º, XVIII, da Lei nº 10.520/2002, a Lei nº 14.133/2021 não requer que a declaração de intenção de recorrer seja acompanhada de uma justificação, ou seja, a expressão da intenção de interpor recurso deve ser aceita pelo responsável pela contratação, havendo ou não um motivo específico para o protesto.

Portanto, sendo pronunciada a decisão definitiva pelo agente de contratação, o licitante interessado deve externar sua intenção de interpor recurso – independente da motivação externada –, sob pena de não mais poder fazê-lo, o que também leva a conclusão de que se torna impossível, pela NLLC, a hipótese de revisitação dos atos decisórios, pois somente há uma oportunidade para irresignações dos licitantes.

As disposições legais até então citadas conversam entre si sobre a unicidade do registro de intenção de recurso, todavia, a mesma interpretação não cabe em se tratando da recente Instrução Normativa (IN) SEGES/ME nº 73/2022, a qual dispõe sobre o procedimento de licitação pelo critério de julgamento por menor preço ou maior desconto, na forma eletrônica, no âmbito da Administração Pública Federal.

Isso porque, o artigo 40 da IN mencionada dispõe que qualquer licitante poderá manifestar sua intenção de recorrer “após o término do julgamento das propostas e do ato de habilitação ou inabilitação”, o que traz consigo uma interpretação dual sobre o momento que o licitante deve se valer para registrar intenção de recurso: na fase de classificação das propostas de preços e na fase de habilitação.

Em outras palavras, ainda que a fase recursal permaneça única, inusitadamente os licitantes poderão registrar intenção de recurso em dois momentos distintos, como visto, após o julgamento da proposta e após a habilitação, o que significa dizer, por óbvio, que se, por exemplo, o licitante deixa de manifestar intenção de recorrer do julgamento, e manifesta a intenção de recorrer da habilitação, as razões recursais deverão ser apreciadas somente em relação aos requisitos habilitórios, ou seja, somente em relação à matéria que o licitante manifestou a intenção de recorrer. Ocorrerá, assim, uma preclusão do direito de recorrer em relação à fase de julgamento.

Essa é uma alteração significativa no processamento do recurso na Nova Lei de Licitação, conforme regulamentado pela IN nº 73/2022, de observância obrigatória no âmbito da Administração Pública Federal.

Há no mínimo estranheza na disposição da referida norma, pois em se tratando de uma sistemática recursal, em que há somente um momento para a apresentação das razões recursais e apreciação do recurso, não há razão em segmentar a oportunidade de registro da intenção de recurso.

Certamente, esta peculiaridade refletirá negativamente na condução dos processos licitatórios e na celeridade de seu trâmite, pois, além de não possuir nenhum efeito prático relevante, não ressoa harmonizável a incontroversa unicidade da fase recursal e a duplicidade para registro de intenção de recurso.