Para que não haja qualquer desvio de compreensão, serão abordados no presente tópico dois princípios: o da indivisibilidade e o da inespecificidade, haja vista o alto grau de complementariedade que ambos ostentam.
O princípio da indivisibilidade encontra-se, claramente, inserido em posição diametralmente oposta ao núcleo do conceito de serviço público em sentido estrito. A doutrina de Renato Alessi influenciou, sobremaneira, o conceito de serviço público, que, no Brasil, recebeu elevada consagração pela lavra do professor Celso Antônio Bandeira de Mello. O publicista italiano postulou que somente há prestação administrativa quando há um usuário concreto com o qual se aperfeiçoa um vínculo jurídico pelo qual ele recebe a prestação de uma atividade estatal.
Diante dessa indiscutível realidade jurídica, a verdade é que, nos serviços públicos, a divisibilidade integra seu conceito; nas atividades de infraestrutura, por sua vez, a indivisibilidade é um de seus núcleos conformadores: o destinatário da infraestrutura é a sociedade, de modo difuso. Como regra, não é possível definir quem é o “usuário” e, em muitos casos, sequer haverá referência a um usuário, seja ele efetivo ou potencial.
É o que se infere da Constituição Federal, que em seu artigo 145, inciso II, estabelece que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir taxas em razão da utilização de serviços públicos específicos e divisíveis. Ora, se a atividade administrativa de serviço público deve ser específica e divisível, ensejando inclusive a cobrança de taxa pelo Poder Público, e modelo tarifário quando se promove sua concessão (artigo 175, Constituição Federal), a contrario sensu, a atividade administrativa de infraestrutura não deve ser nem específica e nem divisível, extraindo-se, portanto, como princípios implícitos constitucionais, o da inespecificidade e o da indivisibilidade, comandos normativos obrigatórios que conformam seu regime jurídico e produzem uma série de efeitos decorrentes.
Nesse sentido, é possível identificar, no texto constitucional, diversos deveres que são colocados sob o influxo da Administração Pública que não carregam as características de divisibilidade e especificidade, forçando o reconhecimento de uma novel atividade administrativa típica, a postulada atividade de infraestrutura, que não carrega tais elementos nucleares, mas que, obrigatoriamente, deve ser objeto de salvaguarda do Estado para se conquistar o impulso desenvolvimentista.
Podemos exemplificar atividades inespecíficas e indivisíveis arrolando as atividades de serviços de provisão, operação e manutenção da iluminação pública, infraestrutura aeroportuária, infraestrutura rodoviária, drenagem de águas pluviais, coleta, transbordo e disposição final de resíduos sólidos, dentre outros. O que todas têm em comum é o que as diferencia do conceito de serviço público: embora sejam comodidades ou utilidades materiais fruíveis por qualquer interessado, não há como individualizar sua utilização a usuários específicos.
A postulação do princípio da indivisibilidade, então, tem o propósito de distinguir aquilo que particulariza o regime jurídico do Direito Administrativo da Infraestrutura, ou seja, a impossibilidade de fracionamento da atividade em relação ao usuário. Essa marca fundamental deve ser vista sob a ótica de princípio jurídico, de forma a condicionar a interpretação e aplicação do regime jurídico subjacente. O princípio da indivisibilidade, portanto, aglutina todo o conjunto de normas que deve incidir sobre a atividade de infraestrutura: provimento obrigatório, pelo poder público, de utilidades ou comodidades postas a favor de beneficiários não singulares, que propiciam condições para o desenvolvimento da sociedade.
A postulação do princípio da inespecificidade caminha em uníssono com a do princípio da indivisibilidade. Novamente, por contraposição: serviços públicos em sentido estrito são serviços específicos e divisíveis. São prestados a um destinatário certo ou, ao menos, identificável. Atividades de infraestrutura são indivisíveis e, a reboque, inespecíficas: são destinadas à coletividade em geral, a toda a sociedade, não sendo relevante identificar a quantidade efetiva de serviço usufruído pelo particular.
Postula-se, então, que a indivisibilidade está atrelada ao aspecto objetivo da atividade de infraestrutura, ela é materialmente indivisível; já a inespecificidade está relacionada ao aspecto subjetivo: não é possível identificar o usuário ou destinatário da prestação.
É possível se aventarem inúmeras consequências jurídicas que decorrem do reconhecimento da juridicidade dos aludidos princípios como, por exemplo, a impossibilidade de cobrança de taxa ou tarifa do usuário pelo exercício da atividade de infraestrutura; a impossibilidade jurídica de se quantificar a fruição individual da atividade; a identificação do correto mecanismo de composição do valor do preço público a ser arrecadado do beneficiário (quando isso ocorrer), em que deve ser considerado apenas os custos decorrentes da provisão, operação e manutenção dos ativos públicos e não da quantidade de serviço usufruída.
A conduta do administrador que se desviar da aplicação dos aludidos princípios ao editar atos administrativos que os contrariem ensejará a respectiva invalidação, bem como o sujeitará à incidência das sanções decorrentes da esfera de responsabilidade dos agentes públicos. Se considerarmos, ainda, a delegação da atividade de infraestrutura aos particulares, a observância a tais ditames reveste-se de ainda maior importância, porque a invalidação do modelo jurídico preconizado pelo agente público, além de ensejar a paralisação de atividade nuclear para salvaguarda do interesse público desenvolvimentista, ensejará o pagamento de indenização ao concessionário em valores expressivos, uma vez que tais megaprojetos, como regra geral, demandam capital intensivo.
Portanto, fundamental a observância dos princípios da inespecificidade e da indivisibilidade para que a atividade seja realizada em absoluta consonância com o regime jurídico que é próprio da provisão de infraestrutura.