O princípio da inovação tecnológica é de caráter fundamental no exercício da atividade de infraestrutura, como teremos agora a oportunidade de demonstrar. Consoante dispõe a Constituição Federal em seu artigo 218, cumpre, ao Estado, a missão de promover e incentivar “o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação”. Tal diretiva deve ser promovida tanto pela União, como Estados, Distrito Federal e Municípios, haja vista que no artigo 23 do texto maior prescreve-se competência comum para proporcionar os meios de acesso à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação.[1]

A clareza do texto constitucional nos permite concluir, de maneira bastante incontroversa, que a inovação tecnológica encontra-se dentre um dos pilares fundamentais do Estado brasileiro, que deve, por meio de suas unidades federativas, promovê-la e incentivá-la no exercício de suas funções. Se transpusermos essa constatação para a temática ora examinada, não parece também haver maiores disputas para se postular que esse comando constitucional deva interpenetrar a atividade de infraestrutura, que o Estado tem o dever de propagar, especialmente, se considerarmos que ela representa terreno absolutamente fértil para o avanço tecnológico, permitindo, não apenas vislumbrar uma posição de vanguarda no desenvolvimento econômico mas, especialmente, oferecer, aos particulares, indistintamente, as modernidades que qualificam o pleno desenvolvimento social, melhorando a qualidade de vida dos concidadãos.

O desafio que se antevê diante dessa nuclear questão consiste em envolver o administrador público nesse ambiente tecnológico de modo que, quando o Estado esteja desenvolvendo diretamente a atividade, ele, obrigatoriamente, cumpra os ditames da inovação tecnológica para prover soluções concretas nessa direção, sob pena de muitos de seus atos, padecerem de invalidade. Outro importante desafio pode ser pressagiado (e na prática é possível trazer muitos exemplos a respeito dessa temática) refere-se, quando há processo de delegação por concessão, às imprescindíveis alterações contratuais para incorporação dessas novas tecnologias a bem da otimização da infraestrutura.

Todos sabem que o sistema dos contratos administrativos tem uma densidade fechada, avessa a alterações, exatamente porque, no Brasil, o mantra da licitação parece impedir qualquer alteração contratual porque pressupõe um suposto benefício indevido ao particular contratado. É possível encontrar inúmeras razões fáticas, sob o ponto de vista sociológico, que acabam influenciando essa compreensão e que trouxeram um efeito jurídico indesejado e inesperado concernente à estagnação das atividades públicas pelo chamado “medo administrativo”, o que não encontra guarida no Estado de Direito, em que não se pode presumir o ilícito.

A verdade é que durante a vigência dos contratos de concessão, de longuíssimo prazo, há, no entorno social, a ocorrência de uma questão prática inegável nos tempos atuais: sucessivas ondas tecnológicas que mudam nosso meio rotineiramente. Se essa mudança é positiva e traz inclusive ganhos econômicos, ela não pode ficar de fora dos contratos de concessão, ela deve ser a ele incorporada. É exatamente quando se promove o design contratual que se impõe o desafio enorme de construir mecanismos de inclusão dessas tecnologias durante a sua vigência, tendo em conta esse cenário tradicional de densidade de alteração contratual.

Como impor válvulas de segurança em contratos de características mais inflexíveis, que permitam incorporar novas tecnologias, sem que as ameaças dos sistemas controladores possam compreendê-la como violadora do princípio da licitação? Se levarmos a fundo essa questão, proximamente seremos subjugados a utilizar as tecnologias mais arcaicas por puro “medo” de alteração dos contratos, o que não pode se admitir, minimamente, em face da obrigatoriedade da inovação tecnológica, tão bem delineada nos ditames constitucionais.

Um caso concreto pode ilustrar bem o que se alega: uma concessionária de rodovia, que celebrou o respectivo contrato há mais de 10 anos, recebeu a incumbência, do Poder Público, de construir os chamados call box por toda a rodovia para segurança dos beneficiários. Portanto, a cada quilômetro, o contrato, em seu texto original, impunha a obrigatoriedade de construir uma caixa telefônica fixa para que o beneficiário da rodovia pudesse se comunicar com o centro de operações. No caso particular desse contrato, o valor para construção desse sistema circulava em torno de 200 milhões de reais, o que, sob o ponto de vista do momento temporal em que o contrato foi celebrado, justificava-se, pois representava, à época, o sistema mais moderno de segurança rodoviário, trazido como uma inovação significativa das grandes autoestradas europeias.

Ocorre que o tempo passou (o cumprimento dessa obrigação somente seria exigido após o pagamento da outorga). No momento da execução dos call box, os concessionários já dispunham de uma tecnologia mais avançada: instalaram sistema de câmera por todo o percurso da rodovia dotado da capacidade de detecção, em tempo real, de toda a movimentação ocorrida no ativo, tais como acidentes, paralisações no acostamento, dentre inúmeras outras. Além disso, a telefonia celular, com a propagação do acesso à cobertura de internet banda larga e barateamento dos smartphones e seus inúmeros aplicativos, tornou-se extremamente vigorosa, fazendo com que praticamente todas as pessoas tenham um aparelho dessa natureza.

Todo esse custoso suporte de telefonia fixa por mais de 500 quilômetros de rodovia poderia, então, ser facilmente substituído por uma simples imposição da agência reguladora de telecomunicações junto às operadoras do serviço em garantir o sinal por toda a sua extensão, o que, aliás, seria mandatório a elas, haja vista a necessária universalização do serviço. Dessa forma, diante da necessidade de concretização dos aludidos investimentos de call box previstos no contrato, não seria uma decisão administrativa mais racional juridicamente retirar a obrigação da construção de tal sistema, já arcaico, para utilizar os recursos em outras melhorias da rodovia, ou mesmo para viabilizar a redução do pedágio? Por força da imposição do princípio da inovação tecnológica, como comando normativo, a decisão do administrador público não poderia ser outra, já que o juízo de ponderação estaria indicar a prevalência desse princípio em detrimento de outros, numa argumentação jurídica absolutamente irreparável.

Há, ainda, outros exemplos que demonstram as importantes implicações jurídicas que decorrem da consagração do princípio da inovação tecnológica. Se falarmos do setor de iluminação pública, por exemplo, o impacto de sua aplicação é absolutamente acachapante. Os benefícios econômicos e sociais decorrentes dos sistemas de iluminação pública vão muito além da simples troca de lâmpadas que tenham maior luminância e que gastem menos energia elétrica (lâmpadas LED são, hoje, a tecnologia mais atual). Tais utilidades são importantes, porque permitem resguardar o valor da segurança pública e da sustentabilidade, mas não para por aí, é possível avançar: o parque de iluminação pública sob responsabilidade dos municípios pode ser utilizado de maneira ainda mais benéfica pela coletividade a partir de um fundamento básico da inovação tecnológica, a denominada integração!

Nesse sentido, o operador da infraestrutura de iluminação poderia auxiliar, sobremaneira, o município, especialmente nas grandes capitais, pela integração de outras importantes atividades, tais como a operação de câmeras de vigilância por toda a cidade (claro, aqui apenas a atividade material por se tratar de exclusivo poder de polícia as ações decorrentes da análise das imagens); a operação de semáforos inteligentes de maneira a melhorar a fluência do trânsito e o deslocamento nas cidades (com benefícios econômicos e sociais absolutamente inequívocos); o aterramento de cabos melhorando a qualidade visual das cidades e a segurança por evitar acidentes com cabos de alta tensão; acomodação de radares em locais estratégicos de acidentes fatais para controle de velocidade e atividade preventiva; oferecimento de redes de Wi-Fi social para utilização dos aplicativos que auxiliam a população na melhor movimentação pela cidade, como horários de trens metropolitanos, metrô, transporte coletivo, transporte individual (táxi), aeroportos, bem como avisos de utilidade pública de alagamentos, enchentes e acidentes graves.

O princípio da inovação tecnológica determina que o administrador público consolide modelos integrados de concessão, tendo em vista o enorme benefício que proporcionam para a coletividade. Infelizmente, tem-se visto alguns Tribunais de Contas entenderem que tais modelos ensejam a suposta “aglutinação indevida de objetos”, o que violaria o princípio da licitação na forma da regra que comanda a segregação máxima dos objetos possíveis de contratação.[2] Tal apontamento não demonstra plausibilidade jurídica, exatamente, porque em um juízo de ponderação, a argumentação mais robusta indica que, em muitas situações concretas, a integração tecnológica deve prevalecer por enunciar uma proteção mais completa e racional do interesse público insculpido em tais modelos concessórios.

O exercício da atividade administrativa de infraestrutura contém espaço enorme e sadio para o desenvolvimento de inovação, cumpre os aplicadores da lei consolidarem modelos criativos concessórios que possam atender a esse direcionamento, sempre fincado nas trincheiras da legalidade. A diretiva hodierna é exatamente em marcha ao avanço tecnológico que permita dar concretude ao que o Professor Mangabeira Unger chama de vanguardismo inclusivo. Os países que não se atentarem para esse modelo, denominado como já visto, de economia do conhecimento, não serão competitivos, não propiciarão uma mudança em seu entorno social.

E toda essa diretiva não é simples conversa sociológica ou econômica, ela influencia radicalmente o fenômeno normativo. Cegar os olhos para essa realidade é o mesmo que apagar as luzes do desenvolvimento, interpretar o direito fora dessa influência é abandonar a evolução científica, é reduzir o direito às trevas, num isolamento inconcebível. A nova Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.079/18), coqueluche inegável dos dias atuais, está aí para demonstrar concretamente o quanto se assevera.

Ela enseja uma verdadeira revolução na imposição de condutas às pessoas jurídicas de direito público e de direito privado exatamente pela circunstância de que elas manuseiam e tratam dados pessoais. Se a inovação tecnológica não fosse o caminho inegável do desenvolvimento, certamente, o direito dela não se ocuparia, especialmente de maneira tão detalhada e impositiva como fez. Resta agora, à luz dessas normas jurídicas, interpretá-las de maneira coerente e harmoniosa, de forma que se possa congregar um círculo virtuoso, com benesses para toda a coletividade.

De registrar, ainda, que o princípio da obrigatoriedade de incorporação de inovação tecnológica na atividade de infraestrutura concretiza outro importante valor das relações estatais: a transparência. Pela utilização mandatória de modernos sistemas de controle de investimentos, conhecidos como Building Information Modeling (BIM), é possível garantir o gerenciamento e controle eficientes da execução das tarefas relativas à provisão, manutenção e operação de ativos públicos. Por esse instrumento tecnológico, é possível assegurar a qualidade de todos os insumos envolvidos; proporcionar melhor planejamento e organização de colaborações multidisciplinares entre os atores envolvidos; acompanhar em tempo real o cumprimento do cronogramas tracejados e assegurar a economicidade de recursos públicos, evitando desperdícios, ou mesmo a ocorrência de superfaturamento, sobrepreços, dentre outras práticas nocivas.

O Decreto Federal 9.983, editado em 22 de agosto de 2019, dispõe sobre a Estratégia Nacional de Disseminação do Building Information Modelling no Brasil e institui o seu Comitê Gestor. Segundo o disposto no parágrafo único do artigo 1º do Decreto, considera-se BIM ou Modelagem de Informação da Construção “o conjunto de tecnologias e processos integrados que permite a criação, a utilização e a atualização de modelos digitais de uma construção, de modo colaborativo, de forma a servir a todos os participantes do empreendimento, potencialmente durante todo o ciclo de vida da construção” (ativo público). A concepção regulamentar é difundir a utilização do BIM dentro das atividades do Executivo, ensejando sua concretização no exercício das atividades estatais que a reclamem, o que encontra respaldo na atividade de infraestrutura, haja vista a enorme capacidade de absorção dessa tecnologia nesse particular.

O uso dessa importante ferramenta tecnológica passa a ser mandatória à luz do princípio da inovação tecnológica, especialmente em processos concessórios, colmatando as diretivas concebidas pelo princípio da transparência, austeridade e compliance. Diante do exposto, há espaço inegável no desenvolvimento de inovações pelo Estado no exercício da atividade administrativa de infraestrutura, encontrando-se administradores públicos subjugados ao princípio da inovação tecnológica, de molde que suas decisões o observem atentamente, sob pena de patente invalidação.


[1]    Consoante observa Mariana Mazzucato, em sua obra “O Estado Empreendedor”: “O Estado (…) tolamente desenvolvendo inovações? Sim, a maioria das inovações radicais, revolucionárias, que alimentaram a dinâmica do capitalismo – das ferrovias à internet, até a nanotecnologia e farmacêutica modernas – aponta para o Estado na origem dos investimentos empreendedores mais corajosos, incipientes e de capital intensivo. Todas as tecnologias que tornaram o iPhone de Jobs tão inteligente [Smart] foram financiadas pelo governo (internet, GPS, telas sensíveis ao toque e até o recente comando de voz conhecido como SIRI). Tais investimentos radicais – que embutiam uma grande incerteza – não aconteceram graças a investidores capitalistas ou ‘gênios’ de fundo de quintal. Foi a mão visível do Estado que fez essas inovações acontecerem. Inovações que não teriam ocorrido se ficássemos esperando que o ‘mercado’ e o setor comercial fizessem isso sozinhos – ou que o governo simplesmente ficasse de lado e fornecesse o básico” (MAZZUCATO, Mariana. O Estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado. Tradução de Elvira Serapicos. São Paulo: Portfólio, 2014, p. 26).

[2]    Trata-se da regra constante do § 1º do artigo 23 da Lei de Licitações: “Art. 23. (…) § 1º As obras, serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala”.