Título: FPM e as garantias em Contratos de PPP
Autor: Renan Marcondes Facchinatto
Nos últimos dois anos, o setor de infraestrutura social recebeu destaque como um setor estratégico para desenvolvimento por meio de contratos de parceria público-privada (PPP). Embora o grande paradigma seja a PPP educacional de Belo Horizonte, cujo contrato foi assinado em 2012, somente em momento mais recente que o setor voltou a ganhar atenção nas discussões governamentais em termos de contratação por PPP. Um dos maiores desafios, senão o maior, de se estruturar uma PPP no setor de educação aliás, no segmento de infraestrutura social de modo geral –, é a garantia pública.
Por definição constitucional, os serviços de infraestrutura social devem ser prestados de forma gratuita pelo Poder Público. Embora, naturalmente, o custeio seja oriundo, genericamente, da arrecadação de tributos, não há cobrança de taxas ou tarifas diretamente dos usuários dos serviços de saúde, educação e assistência social. Quando se discute estruturar uma PPP para prestação desses serviços, portanto, exclui-se qualquer modalidade contratual que dependa de cobrança de tarifas dos usuários para o respectivo custeio.
Disso, decorre que, nessas PPPs, o parceiro privado dependerá, majoritária ou integralmente, de pagamentos feitos pelo Governo. Como, infelizmente, o Brasil ainda é reconhecido, sobretudo por investidores estrangeiros, como um país em que o Poder Público não honra seus contratos, há uma percepção de risco sensivelmente mais pessimista quando o assunto é PPPs que envolvem pagamento governamental – que, aliás, a nossa legislação decidiu classificar como “concessão administrativa” e “concessão patrocinada”. No primeiro caso, a integralidade da remuneração é oriunda de contraprestações públicas e, no segundo, essas convivem com cobrança de tarifa dos usuários.
Como no segmento de infraestrutura social não há, por disposição constitucional, possibilidade de cobrança de tarifas dos usuários, consequentemente, todos os projetos de PPP a serem estruturados partem da premissa de que deverão ser PPPs de pagamento governamental na forma de “concessões administrativas”. Como, nesse caso, há apenas receitas oriundas do Governo, a percepção de risco é elevada e isso torna a garantia pública o tema central da estruturação. Claro que é possível prever receitas ancilares, mas a literatura internacional de “project finance” tende a não as considerar como relevantes para efeito de viabilidade financeira e creditícia nesse tipo de projetos, o que confirma a preocupação, nos projetos brasileiros, com a garantia pública.
E, quando o tema é garantia pública em PPPs, o desafio é bastante expressivo. Há contratos com arranjos bastante interessantes, como é o caso da PPP do Presídio de Ribeirão das Neves, que conta com um robusto sistema de garantia calcado em recebíveis e títulos privados do Município de Belo Horizonte. Todavia, nem sempre os entes públicos dispõem de opções, especialmente de títulos privados ou créditos detidos contra entes privados em valor suficiente para tornar a garantia pública atrativa ao mercado.
Na maioria dos casos, especialmente nos Municípios, as fontes possíveis de recursos para estruturação de garantia pública acabam sendo oriundas de transferências constitucionais e fundos setoriais. Um dos maiores destaques, nesse cenário, são os Fundos de Participação, tanto dos Estados, quanto dos Municípios. É possível ainda se pensar em “royalties” de petróleo e outras receitas setoriais, como é o caso do Salário-Educação e, até mesmo, do FUNDEB.
Um modelo pioneiro no uso de Fundos de Participação é o Estado da Bahia. Pioneiro na edição de legislação estadual sobre PPPs, por meio da Lei Estadual n. 9.290/04, o Estado também é precursor na estruturação de um modelo robusto de garantia pública que se vale, justamente, da segregação automática de recursos do FPE para assegurar o adimplemento dos contratos de PPP. Esse mecanismo foi instituído pela Lei Estadual n. 11.477/09, inicialmente, com a segregação de 18% dos recebíveis diretamente em contas específicas mantidas pela Agência de Fomento do Estado da Bahia S.A – DESENBAHIA.
Por meio dessa estrutura, o Estado foi também pioneiro no segmento de infraestrutura social com a celebração do Contrato de PPP do Hospital do Subúrbio, ainda em 2009. A PPP do Hospital do Subúrbio ainda é pioneira por contar com a delegação das atividades-fim, algo raro no setor de infraestrutura social. Em 2013, foi a vez das PPPS do Instituto Couto Maia e de diagnóstico por imagem, ambas também atendidas pelo modelo de garantia da Lei Estadual n. 11.477/09.
Mas, como dito, apesar dos precedentes relevantes, sobretudo as PPPS de Educação e de presídio, em Minas, e as PPPS de saúde, na Bahia, pouco se discutiu sobre PPPS em infraestrutura social até mais recentemente. Note que, neste texto, não estão consideradas as PPPS do setor de saneamento que costumam ser encaradas como infraestrutura social no Brasil, embora sejam tratadas como infraestrutura econômica na literatura internacional. Parte disso pode decorrer da dificuldade política de se pensar em PPPS nesse segmento e outra parte, com certeza, decorre da dificuldade de se estruturar a garantia pública.
É nesse contexto que, mais recentemente, o BNDES e a Caixa têm alocado esforços em apoiar entes subnacionais na estruturação de PPPS de infraestrutura social. E é também nesse contexto que entra em cena o desafio da garantia e seus possíveis obstáculos. O mais importante deles é o posicionamento do STF na ADI 553.
Na ADI 553, o STF declarou inconstitucional uma norma da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que instituiu um Fundo específico para que o Estado empreendesse políticas de fomento econômico à micro e pequenas empresas. Esse Fundo seria preenchido com recursos segregados dos repasses do FPE destinado ao Estado do Rio de Janeiro. O STF, infelizmente, entendeu que os recursos não poderiam ser vinculados por serem oriundos de impostos.
O cerne da discussão está, justamente, em saber se, uma vez partilhados entre Estados e Municípios, tais recursos continuariam a ostentar natureza tributária de impostos ou não. Há defensores e detratores de ambas as posições. E a sinalização do STF acaba sendo negativa para o gestor público, que pode ter receio de estabelecer sistemas similares ao da Bahia em suas PPPs. Porém, ainda que a sinalização seja negativa, ela foi dada em um contexto bastante particular: fomento econômico.
As PPPs, embora fomentem a economia de modo indireto, são, sobretudo, técnicas de contratação pública para o desenvolvimento de infraestrutura e/ou de bens e serviços públicos ou de interesse público. Há, aqui, uma distinção com o caso do Rio de Janeiro que impede a aplicação imediata do precedente da ADIN 553. Além disso, se em algum momento o STF for chamado a decidir sobre o tema no contexto específico de PPPs, certamente terá a sensibilidade e a razoabilidade de modular os efeitos da decisão, no cenário negativo de estender o mesmo entendimento da ADIN 553, de modo a preservar os projetos já contratados.
Porém, como não há, ainda, notícia de que o tema esteja em discussão no STF, o uso do FPE e FPM como recurso garantidor em PPPS segue como uma boa alternativa a ser avaliada em cada caso concreto.
Além disso, o segmento de infraestrutura social ainda se beneficia de uma ressalva expressa da própria Constituição. Essa ressalva está no inciso IV do artigo 167 e permite, expressamente, a vinculação de recursos para “ações e serviços públicos de saúde” e para a “manutenção e desenvolvimento do ensino”. Ou seja, ainda que, em algum momento, o STF venha a discutir a utilização do FPE e FPM no caso específico das PPPS, não poderá invalidar as estruturas de garantia que empreguem os respectivos recursos em projetos de saúde e educação.
E, agora que o segmento de infraestrutura social está na pauta e entrou em definitivo para a agenda de estruturação de projetos na forma de PPP, o debate precisa ser ampliado. Um exemplo recente que merece destaque é do Município do Recife, que acabou de publicar uma lei que autoriza a contratação de PPP para creches com a utilização de recursos do FPM para a estruturação da garantia pública (Lei Municipal n. 19.083/23). Infraestrutura social é um tema fundamental em qualquer país e, dadas as dificuldades enfrentadas no Brasil para realização de investimento público, as PPPs, seguramente, são uma rota de contratação a ser constantemente avaliada como alternativa para entrega tanto da infraestrutura, quanto, sobretudo de serviços mais eficientes e modernos para a sociedade.