Título: MINISTÉRIO PÚBLICO – REVENDO SEUS PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS 

 

Autor: Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo 

 

A Constituição Federal de 1988 (CF) deu ao Ministério Público Brasileiro uma formatação diferente de todas quantas constaram das nossas Constituições anteriores e não encontra similar em outros países. 

Ela não chegou a configurar a Instituição como um quarto poder, mas deu-lhe tamanha autonomia e independência, que não se pode lhe inserir em um dos três Poderes mencionados na Carta da República, pois sempre faltará um requisito constitutivo a justificar essa inclusão. 

Os juristas cartesianos se incomodam com essa afirmação, pois, para eles, tudo há que ficar encaixado no âmbito de um dos Poderes constituídos – o que, hodiernamente, já não mais configura um axioma, pois vivemos tempos de visão quântica do ordenamento jurídico. 

O Ministério Público é um órgão estatal independente, que exerce uma parcela da soberania nacional ao deter o dever-poder de arquivar peças de informação ou de inquérito policial a respeito de crimes de ação penal pública, sem que essa determinação possa ser revista – pelo mérito – por outra autoridade ou outro Poder estatal, conquanto possa passar por exame recursal dentro da Instituição. O arquivamento, pois, é reflexo do poder absoluto do Estado, que legitima a atuação ministerial na esfera política e jurídica. 

Com essa perspectiva em mente, é preciso passar em revista os princípios institucionais previstos no § 1º do art. 127 da CF: “(....) a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”

A CF, portanto, conferiu independência e autonomia à Instituição (art. 127, §2º, 3º; art. 128, §5º) e garantias aos seus membros (art. 128, §5º, inciso I), às quais são equiparadas as vedações impostas (art. 128, §5º, II). 

Contudo, os princípios institucionais não têm por destinatários os membros do Ministério Público, mas são princípios que regem a própria Instituição. 

Vejamos. 

O princípio da unidade, como se sabe, significa que, apesar da divisão do Ministério Público em vários ramos (art. 128, caput), sempre quem estará presente nas investigações ou nos processos (judiciais ou administrativos) é o próprio Ministério Público, qualquer que seja a área de atuação considerada. Seja o Ministério Público do Trabalho ou o Ministério Público Eleitoral, é a Instituição que se faz presente, sempre agindo em defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput) ou cumprindo as funções institucionais previstas no art. 129 da CF.1 

O princípio da indivisibilidade é consequência do primeiro: quem estará sempre presente nas investigações ou nas relações jurídico-processual é o Ministério Público e não o seu membro, que apenas o representa. 2 Daí ser possível a substituição de um representante do Ministério Público por outro, na pendência do processo, por exemplo, sem que essa substituição signifique alteração da parte (alteração subjetiva da lide): a parte, que é o Ministério Público, permanece a mesma.3 

Todavia, como a substituição de um representante do Ministério Público por outro é possível (casos de promoção, remoção, férias, licenças etc.) e ele goza da garantia da inamovibilidade, essa substituição somente pode ocorrer de acordo com a lei (art. 128, § 5º I alínea “b”).4 

Resta o princípio da independência funcional. 

Para examinarmos o princípio da independência funcional, em primeiro lugar, é preciso distinguir que, no exercício de suas funções, o membro do Ministério Público realiza atividades administrativas (atividades-meio) e atividades de execução (atividades-fim). 

Assim, por exemplo, a Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo, confere ao Procurador-Geral de Justiça atribuições administrativas (art. 19) e funções de execução (art. 116), o mesmo ocorrendo com os demais órgãos da Administração Superior, Procuradores e Promotores de Justiça. 

Posta essa distinção, na esfera administrativa o integrante da Instituição não goza de nenhuma independência, mas deve obedecer às ordens administrativas legitimamente expedidas – quando a CF diz que o Procurador-Geral é o Chefe da Instituição, refere-se, exatamente, à estrutura administrativa do Ministério Público, que é hierarquizada e da qual ele é a autoridade unipessoal suprema. Aqui a independência funcional é própria do Ministério Público. A autoridade que expede ordens administrativas legítimas (seja unipessoal ou colegiada) representa o Ministério Público e, por via reflexa, age com independência funcional, tendo em vista os demais órgãos internos e os outros Poderes Estatais. 

Mutatis mutandis, é o que ocorre quando o membro o Ministério Público exerce suas atividades fins. 

Nesse caso, os Promotores ou Procuradores de Justiça, o Colégio de Procuradores, o Conselho Superior, ou Procurador-Geral – todos têm funções de execução – agem representando o Ministério Público e dele recebe, ainda por via reflexa, a independência funcional – que cria uma redoma protetora contra as eventuais pressões internas e externas. 

Porém, nos dois casos – agindo em função de atividade-meio ou de atividade-fim – qual é o sentido e o alcance dessa independência? 

Em primeiro lugar, ela não significa arbítrio. Ela não confere um dever-poder absoluto, mas uma liberdade dentro do princípio da legalidade

Assim sendo, não acho correto dizer que a independência funcional permite ao membro do Ministério Público agir de acordo com a sua consciência.5 

Muitas vezes, a consciência das pessoas indica, de maneira tranquila, direções não ortodoxas, por entender, por exemplo, que os fins justificam os meios.6 

Ora, a única e segura trincheira do Ministério Público é a absoluta legalidade. É dentro de seus limites que ele dispõe de plena independência funcional para atuar contra ou a favor de quem quer que seja. 

Tais limites compreendem não apenas os textos legais positivados, como os princípios gerais que informam o nosso ordenamento jurídico, ainda que implicitamente 7